Desfecho Caso João Paulo: 13 anos após crime, júri terminou em 2003 em decisão unânime; o resultado e trechos do julgamento

Novo episódio do podcast 'Medo do Escuro' foi liberado nesta quarta-feira (28) e mostra como crime se encerrou na Justiça e repercussão com envolvidos.

Por Alair de Almeida, Editor e Diretor do Jornal Região Sul em 28/02/2024 às 21:59:25


Treze anos após a morte do garoto João Paulo Brancalion, de 9 anos, o júri do caso, enfim, ocorreu. Foram dois dias, 10 e 11 de março de 2003, até que os jurados chegassem a uma decisão, de forma unânime.

O quinto episódio do podcast "Medo do Escuro - O Caso João Paulo", disponibilizado nesta quarta-feira (28), detalha pela primeira vez trechos do julgamento, além, é claro, de mostrar o resultado.

Você pode ouvir Medo do Escuro -

O Caso João Paulo no g1, no GloboPlay, no Spotify, no Apple Podcasts, na Deezer, na Amazon Music, ou na sua plataforma de áudio preferida. Assine ou siga Medo do Escuro - O Caso João Paulo, para ser avisado sempre que tiver novo episódio.

O podcast revisita o caso do garoto de 9 anos encontrado morto dentro de um freezer em um colégio católico tradicional. Um dos crimes mais emblemáticos da história de Piracicaba, que completa 35 anos em 2024.

Este texto contém revelações sobre o quinto episódio do podcast. A recomendação é ouvi-lo antes (acesse abaixo) e ler a reportagem depois.


Depoimento do acusado

O primeiro depoimento foi exatamente o do réu, que está sendo identificado nesta série pelo nome fictício de Joaquim.

Movimentação em frente ao Fórum de Piracicaba em um dos dias de julgamento do caso João Paulo — Foto: AcervoEP

Movimentação em frente ao Fórum de Piracicaba em um dos dias de julgamento do caso João Paulo — Foto: AcervoEP

O ex-voluntário do oratório afirmou que é inocente, negou que a vítima teria ajudado a guardar materiais esportivos naquele dia e que a encontrou no freezer quando procurava refrigerantes para o almoço. A seguir, confira a reprodução de trechos desse depoimento:

Trecho de depoimento do acusado no julgamento do caso João Paulo — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Trecho de depoimento do acusado no julgamento do caso João Paulo — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Trecho de depoimento do acusado no julgamento do caso João Paulo — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Trecho de depoimento do acusado no julgamento do caso João Paulo — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

A ida de Joaquim até o colégio para checar as batatas à noite, já citada por ele outras vezes no inquérito policial, é alvo de dúvidas do advogado José Silvestre da Silva, advogado da família da vítima.

"Como ele sabia? Ele não era o cozinheiro. Como ele sabia que sobre a pia da cozinha existiam batatas? Que história é essa? Daí, à meia-noite, ele tentou entrar no colégio e não conseguiu porque lá existiam cães bravos e começaram a latir, latir, latir até que um padre sai lá e diz: "volta amanhã". Quer dizer, eu, à meia-noite, eu preocupado com batatinha que ficou sobre a pia da cozinha?", questiona.

Advogado José Silvestre conversa com repórter da EPTV em frente ao Fórum de Piracicaba antes do júri — Foto: AcervoEP

Advogado José Silvestre conversa com repórter da EPTV em frente ao Fórum de Piracicaba antes do júri — Foto: AcervoEP

A tese de acusação

Também prestou depoimento no júri o delegado José Maria Franchim, que concluiu o inquérito. Além de detalhar novamente os pontos que o levaram a apontar Joaquim como o autor do crime, Franchim admitiu que a polícia não conseguiu chegar ao motivo do crime e relembrou os pontos que o levaram a indiciar o réu:

  1. que o acusado foi a última pessoa que foi vista com a vítima;
  2. que foi ele que encontrou o corpo em um freezer desativado e que não era usado para nada
  3. que na sala de materiais que só ele teria a chave e onde a vítima teria sido vista com ele pela última vez, foi encontrada uma mancha de sangue na porta;
  4. que uma pessoa da família de Joaquim teria chamado testemunhas para pedir que falassem à polícia que não se lembravam do que ocorreu.

Quando foi dada a palavra para Ralph Tórtima, advogado de defesa do réu, ele defendeu a sua tese, que é baseada no fato de que as testemunhas-chaves da acusação se contradizem durante seus vários depoimentos no inquérito policial.

Uma dessas testemunhas, identificada no podcast como Vinícius, por exemplo, disse nos primeiros depoimentos que foi embora com João Paulo do colégio após o final das atividades, mas quase quatro anos depois, em outros depoimentos, afirmou que, na verdade, na última vez que viu João Paulo, ele deixou o amigo sozinho na sala de materiais esportivos da escola com Joaquim.

E foi na sala de materiais esportivos que a faxineira do colégio - outra testemunha-chave - disse que encontrou manchas de sangue depois. No entanto, essa faxineira também não falou dessas manchas nos primeiros depoimentos dela.

Ralph Tórtima conversa com repórter da EPTV em frente ao Fórum de Piracicaba — Foto: AcervoEP

Ralph Tórtima conversa com repórter da EPTV em frente ao Fórum de Piracicaba — Foto: AcervoEP

Tórtima também questionou Franchim se não levou em consideração o que foi apurado antes dele assumir o caso. Confira a seguir um trecho desse diálogo:

Trecho de depoimento do delegado José Maria Franchim no júri — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Trecho de depoimento do delegado José Maria Franchim no júri — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Franchim comentou sobre a decisão de recomeçar as investigações em entrevista ao g1:

"Quando eu assumi o inquérito, eu vi que realmente as pessoas que estavam ali, não tinham nenhuma informação a respeito, e não podiam dizer nada realmente. Porque foi um fato que aconteceu num local praticamente privado, onde só entravam as crianças, e o adulto que está do lado de fora não ia ter informação de dentro. Então eu falei que realmente continuar com esse tipo de investigação não ia levar a nada", afirmou o ex-delegado.



Depoimento de


testemunha-chave

Já Vinicius reafirmou no júri o que disse nos seus últimos depoimentos no inquérito, de que na hora de guardar materiais esportivos estavam juntos ele, a sua irmã, João Paulo e Joaquim.

E que, depois disso, ele e sua irmã deixaram a sala de depósito dos materiais e ficaram lá João Paulo e Joaquim.

Trecho de depoimento de Vinicius no júri — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Depois, um jurado, que não é identificado nos autos, voltou a tocar nessa questão e a testemunha negou ter sofrido pressão durante as investigações. Veja o trecho da conversa abaixo:

Trecho de depoimento em que Vinicius nega que sofreu pressão — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Trecho de depoimento em que Vinicius nega que sofreu pressão — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Ao g1, Vinícius afirmou apenas que brincou com João Paulo no dia em que o garoto desapareceu e depois não o viu mais.


Jovens na piscina no


início da noite

Ainda no júri, um padre que foi vice-diretor do colégio contou que no sábado em que João Paulo desapareceu, depois da missa, por volta das 18h, viu um grupo de jovens tomando banho na piscina do colégio. Veja o trecho abaixo:

Em depoimento, padre fala sobre ter estranhado jovens em piscina à noite — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Em depoimento, padre fala sobre ter estranhado jovens em piscina à noite — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Esse padre não cita que viu João Paulo entre essas pessoas, embora o conhecesse. Mas o relato seria utilizado pela defesa do réu para levantar a hipótese de afogamento, que também foi apontada pelo perito Badan Palhares, pelo fato do corpo ter sido encontrado com sinais de contato com água.


Apenas um depoimento foi diferente disso. Em 28 de abril de 1993, um ex-oratoriano afirmou para a polícia que ele nadou com João Paulo e outros garotos na piscina do colégio no sábado em que ele desapareceu.

Mas que, às 16h, Joaquim chegou e disse que o horário da piscina estava encerrado. Então, esse adolescente disse que saiu com outros garotos para ver o jogo de futebol que passava na TV e depois Joaquim se sentou pra assistir também, mas não viu mais João Paulo.

Roupas e sapato de João Paulo dentro de freezer onde corpo foi encontrado — Foto: Reprodução/ Polícia Civil

Roupas e sapato de João Paulo dentro de freezer onde corpo foi encontrado — Foto: Reprodução/ Polícia Civil

Após leituras dos autos, depoimentos de testemunhas e sustentações orais de advogados e promotor, por unanimidade, o ex-voluntário foi absolvido das acusações pelos sete jurados, que consideraram as provas apresentadas insuficientes.

"É um reconhecimento da inocência dele. É um reconhecimento de que ele não matou ninguém. Então, isso tem um significado de retomada de vida", afirmou Ralph Tórtima, advogado de defesa, em entrevista à EPTV na época da absolvição.

Mas, por outro lado, havia uma família ainda sem ver uma solução a respeito da morte do garoto João Paulo. Em entrevista à EPTV, no dia seguinte ao julgamento, Toninho Brancalion, pai do garoto, disse que ia esgotar todas as tentativas para buscar Justiça.

"Vou continuar lutando, se Deus quiser, com todas as minhas forças, até quando puder. Até resolver esse caso", garantiu.

Sentença de absolvição do ex-voluntário do colégio — Foto: Reprodução

Sentença de absolvição do ex-voluntário do colégio — Foto: Reprodução

Naquele mesmo dia, José Silvestre da Silva, advogado de Toninho, disse que ia entrar com um recurso para pedir a anulação do julgamento.

Segundo o defensor, jurados que votaram pela absolvição do réu tinham filhos estudando no colégio, o que, na avaliação dele, comprometeria a imparcialidade deles pra julgar o caso.

""Eram pessoas impedidas [...] Nós gostaríamos, sim, que fosse feita uma avaliação, que fosse constatado, que fossem identificadas as pessoas. [...] E quem me passou, sabia. Mas eu eu não podia identificar, porque precisava que a própria pessoa dissesse: 'realmente, eu tenho os filhos aí'. Isso era motivo? Sim, como não?", afirmou ao g1.

Dez dias depois, no dia 27 de abril, a juíza Meibel Farah negou o recurso e justificou que o advogado não indicou quais são os jurados. E que também não foi apontado que algum jurado tivesse interesse material ou moral na condenação ou absolvição do réu.

Arquivamento do caso

Recursos do MP e assistente de acusação pedindo anulação do julgamento foram negados em outras instâncias. Veja abaixo o trecho de uma das decisões, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Sentença do TJSP mantendo absolvição do ex-voluntário do colégio — Foto: Reprodução

Sentença do TJSP mantendo absolvição do ex-voluntário do colégio — Foto: Reprodução

Em 19 de março de 2012, 22 anos após a morte de João Paulo e nove anos após o julgamento, o juiz Rogério de Toledo Pierri, da Vara do Júri de Piracicaba, declarou que não era possível mais recorrer e determinou o arquivamento do caso.

Desde então, não aconteceram novas movimentações.

Pai do garoto, Toninho Brancalion falou em entrevista à EPTV, em frente ao Fórum, sobre a dor permanente que a perda do filho lhe causou.

"Acompanho direto. Faz 13 anos acompanhando esse fato, fórum direto, sempre, tem julgamento, não tem, com essa dor no coração. E vou levar até o resto da minha vida".

Uma dor que desperta empatia de quem vivenciou o caso de perto.

Como o desfecho é sentido

"Se para nós é doloroso, imagino para o João Paulo que foi vítima e para a família dele.

Existe um grau de dor de toda a comunidade, de toda a cidade, do país que ficou comovido, mas evidentemente o próprio João Paulo, o sofrimento físico, todas as formas de sofrimento e a sua família também pela crueldade, pela saudade, pela ausência do garoto", lamenta o escritor Ademir Barbosa Júnior, conhecido como Dermes, que estudava no colégio Dom Bosco na época do crime.

Repórter da EPTV conversa com Toninho Brancalion, pai do João Paulo, no dia do julgamento — Foto: AcervoEP

Repórter da EPTV conversa com Toninho Brancalion, pai do João Paulo, no dia do julgamento — Foto: AcervoEP

Já Assis Fernando de Mello, que era um dos melhores amigos de João Paulo, revela que até hoje ainda se comove com a falta de solução para o caso.

"É, isso aí causa, vamos dizer assim, um sentimento que é normal, que é uma angústia, né? Imagina uma coisa assim não ter uma resolução. É melhor que tenha e seja feita de uma forma dura mesmo. Então, é mais o sentimento que a gente tem, que é um pouco de angústia. Em geral, de todos, acredito, né? Dos familiares, dos amigos, conhecidos".

Para o jornalista Miromar Rosa, que fez a cobertura do caso, é preciso relembrá-lo justamente por essa falta de respostas.

""Ai, vai lembrar de novo do caso?'. Tem que lembrar, sim, porque não tem um responsável, não tem um culpado. Isso aconteceu, isso não é filme, isso não é ficção. Mataram uma criança de 9 anos, entendeu?", justifica.

Para Silvestre, advogado da família da vítima, o resultado final está relacionado unicamente à decisão dos jurados, que são representantes da sociedade.

"Se não houve o reconhecimento por parte da sociedade, aí quem tem de responder por isso é a sociedade, aquela que clama por justiça, aquela clama por igualdade, aquela que diz que somos todos iguais perante a lei [...] Uma situação como essa, com tudo que foi feito. Você viu tantos volumes dos autos do processo, a situação que a criança foi encontrada."

Delegado seccional de Piracicaba na maior parte do tempo da investigação, Sérgio Augusto Dias Bastos também defende o trabalho da polícia no caso.

"O que me entristeceu realmente foi o resultado. Isso eu tive conhecimento posteriormente, porque foi um trabalho brilhantíssimo do doutor Franchim que foi jogado água abaixo. E até hoje Piracicaba não tem uma resposta satisfatória para o ocorrido, quando tecnicamente, cientificamente tudo está demonstrado."

Já Franchim, que concluiu o inquérito policial, ressalta a independência das instituições ao comentar o desfecho.

"O meu trabalho termina quando eu relato inquérito. Daí pra frente a responsabilidade não é mais minha. [...] Eu respeito o que aconteceu lá na frente porque os entendimentos podem ser diferentes [...] Houve a denúncia, houve o julgamento. Aí cada um é responsável pela sua parte. Eu fui pela minha e fiquei satisfeito. E como estou satisfeito até agora", aponta.

Assis Mello, amigo de João Paulo, estava em almoço de domingo quando corpo foi localizado — Foto: Rodrigo Pereira/ g1

Assis Mello, amigo de João Paulo, estava em almoço de domingo quando corpo foi localizado — Foto: Rodrigo Pereira/ g1


Justiça determina


indenização à família

A família de João Paulo também processou o Colégio Dom Bosco em uma ação cível, já que o corpo foi encontrado dentro da escola.

A defesa do colégio afirmou na ação que as atividades do oratório tinham como objetivo retirar as crianças ociosas das ruas e dar a elas formação humana e lazer, que o colégio e oratório ficavam abertos para livre circulação no final de semana, e quem administrava as atividades eram voluntários, assim como o próprio Joaquim.

Também argumentou que o crime aconteceu nas férias escolares, quando não aconteciam atividades pedagógicas no local. E que, portanto, o João Paulo compareceu não como aluno, mas como mero frequentador do oratório, já que a presença não era obrigatória.

A defesa ainda afirmou que no inquérito policial não há provas sobre horário e local da morte da vítima.

E que, por isso, não poderia ser descartada a possibilidade de que o corpo foi levado pra escola depois do crime, já que o garoto teria sido visto fora dela após as atividades, segundo alguns depoimentos iniciais.

A Justiça considerou que as provas no inquérito apontam que houve homicídio e que ocorreu dentro da escola. Também apontou que mesmo que o oratório fosse uma atividade extracurricular, o colégio tinha o dever de guarda e vigilância do garoto quando ele tivesse lá dentro.

Local onde o corpo do João Paulo foi encontrado — Foto: AcervoEP

Local onde o corpo do João Paulo foi encontrado — Foto: AcervoEP

Em nota ao g1, o Colégio Dom Bosco afirmou que "se pauta pela transparência", "tem uma trajetória de posicionamento ético", que se solidariza com a dor dos familiares e amigos de João Paulo e que sempre prestou auxílio à família e às autoridades. Leia abaixo o texto na íntegra:

"Como instituição de ensino que se pauta pela transparência nas relações mantidas com os diversos públicos, o Colégio Salesiano Dom Bosco de Piracicaba tem uma trajetória de posicionamento ético nas mais diversas situações.


Em relação à morte do aluno João Paulo Brancalion, ocorrida em dezembro de 1989, o Colégio se solidariza com a dor dos familiares e amigos, que têm a dor revivida em diversas situações que retomam o caso.

Destacamos que o Colégio sempre prestou auxílio à família e às autoridades. Ressaltamos ainda que todas as informações sobre o caso estão detalhados nos documentos que compõem o processo judicial".

Colégio onde João Paulo estudava, em imagem da época do início das investigações — Foto: AcervoEP

Colégio onde João Paulo estudava, em imagem da época do início das investigações — Foto: AcervoEP

Trinta e cinco anos após o crime, Toninho Brancalion concedeu entrevista ao g1. Entre outras coisas, ele contou o que se lembra da última vez que viu e falou com o filho.

"Vi ele dormindo. E falei com ele, por telefone. Ele ligou pra mim vim abrir a casa da avó, da minha mãe. Não sei o que ele queria pegar lá".

No próximo episódio, o último desta série, o g1 mostra como estão atualmente familiares, amigos e outras pessoas ligadas ao caso, e como lidam com as memórias da tragédia.

Sapatos e roupas de João Paulo foram encontrados arrumados ao lado do corpo — Foto: Reprodução/ Poder Judiciário

Fonte: G1 Sul de Minas e Da Redação

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