O José, personagem da poesia de Drummond vive em Alfenas. E agora José?

Tem vários Josés em Alfenas e nas cidades do Brasil. Carlos Drummond de Andrade tinha razão

Por Jornalista Alair de Almeida, Diretor e Editor do Jornal Região Sul em 10/05/2021 às 15:50:22
Alfenas, Capital dos andarilhos, dos sem teto e dos cães de rua...

Alfenas, Capital dos andarilhos, dos sem teto e dos cães de rua...

O José,

personagem da

poesia de Carlos

Drummond de

Andrade vive

na rua em

Alfenas

E agora José? (Carlos Drummond de Andrade – 1942)


Na composição, o poeta assume influências modernistas, como verso livre, ausência de um padrão métrico nos versos e uso de linguagem popular e cenários cotidianos.

Começa por colocar uma questão que se repete ao longo de todo o poema, se tornando uma espécie de refrão e assumindo cada vez mais força: "E agora, José?". Agora, que os bons momentos terminaram, que "a festa acabou", "a luz apagou", "o povo sumiu", o que resta? O que fazer?


Esta indagação é o mote e o motor do poema, a procura de um caminho, de um sentido possível. José, um nome muito comum na língua portuguesa, pode ser entendido como um sujeito coletivo, metonímia de um povo. Quando o autor repete a questão, e logo depois substitui "José" por "você", podemos assumir que está se dirigindo ao leitor, como se todos nós fossemos também o interlocutor.

É um homem banal, "que é sem nome", mas "faz versos", "ama, protesta", existe e resiste na sua vida trivial. Ao mencionar que este homem é também um poeta, Drummond abre a possibilidade de identificarmos José com o próprio autor. Coloca também um questionamento muito em voga na época: para que serve a poesia ou a palavra escrita num tempo de guerra, miséria e destruição?

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?


O José de Alfenas é o José de Drummond???

O José de Alfenas tem 45 anos de idade e mora na rua há oito anos. Perdeu a mãe e perdeu o sentido da vida. Barba branca, grande, óculos de aro preto (dois, um com uma lente que deve ser para enxergar de longe, ou...). Parei a seu lado na pracinha do Castelinho, em frente à Escola Polivalente, e desconfiado pegou seus sacos plásticos e já ia saindo. Iniciei a conversa e consegui chamar a sua atenção. Conversamos durante 15 minutos, de um bom papo que começou assim:

Jornalista: Você mora na rua? Qual o seu nome?

José: Não, eu fico na rua por opção, tenho irmãos e uma casa inacabada, perdi minha mãe e assim fico no "trecho"...e me chamo José.

Jornalista: Por quê? Dorme na rua, faça chuva, faça sol? E a alimentação?

José: Faço o "trecho", ando pela cidade toda, tem pessoas que ajudam, outras xingam e criticam, e têm os que bebem, enchem a cara e dormem. Mas têm aqueles que usam drogas e maltratam a gente, querem bater na gente e até ameaçam de morte. Estes são perigosos e têm muitos, pela cidade toda, durante o dia, noite e madrugadas...

Jornalista: E a Assistência Social da Prefeitura, você já procurou?

José: Já, mas não funciona. A gente precisa é de Serviço Social e não de Assistência Social. Tem um só Albergue, onde a gente vai tomar banho. Mas é pouco pela quantidade de moradores de rua que tem em Alfenas. Tem muita gente que diz que trabalha com assistência social. Antes tinha uma salinha só, hoje tem vários locais com muitas pessoas e não funciona como deveria funcionar. Tem muitas pessoas que vêm de fora. As prefeituras da região pagam a passagem e falam pra eles virem para Alfenas, mas tem também muita gente da cidade, de vários bairros que moram na rua. Pessoas que usam drogas têm demais... são causadores de encrenca...procura brigas e roubam também...

Jornalista: Você estudou, já trabalhou?

José: Estudei até o primeiro ano e já trabalhei na Prefeitura, mas hoje tô aí largado, sem rumo fazendo o "trecho" (fazer o trecho é andar de um lugar pra outro na cidade e até em outras cidades, na linguagem dos moradores de rua).

Jornalista: E os seus irmãos e a casa inacabada?

José: Tá sem luz, de vez em quando vou pra lá, mas fico pouco tempo. Meus irmãos conversam pouco comigo, parece que não ligam, não sei. Não gosto de ficar lá não... fico na rua mesmo. Já fui mordido por cachorro e tem uns que atacam a gente mesmo, e têm pessoas que cuidam mais deles do que da gente. Eles precisam também de cuidados, mas as pessoas também precisam.

Jornalista: O que você gostaria que acontecesse na sua vida? O que você deseja?

José: Não sei, tô no "trecho". Mas pra recomeçar assim sozinho não tem jeito. Minha vida é assim há mais de oito anos e eu tenho 45 (pela barba branca grande parece que José tem mais idade, pela vida sofrida e incompreendida e morador de rua que ele teima em dizer que não mora na rua, afirma que tá na rua)

Segunda estrofe do " E Agora José?"

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

Reforça a ideia de vazio, de ausência e carência de tudo: está sem "mulher", "discurso" e "carinho". Também refere que já não pode "beber", "fumar" e "cuspir", como se seus instintos e comportamentos estivessem sendo vigiados e tolhidos, como se não tivesse liberdade para fazer aquilo que tem vontade.

Repete que "a noite esfriou", numa nota disfórica, e acrescenta que "o dia não veio", como também não veio "o bonde", "o riso" e "a utopia". Todos os eventuais escapes, todas as possibilidades de contornar o desespero e a realidade não chegaram, nem mesmo o sonho, nem mesmo a esperança de um recomeço. Tudo "acabou", "fugiu", "mofou", como se o tempo deteriorasse todas as coisas boas.

Como em Alfenas, há vários "José" vivendo a vida a esmo pela aí. O que fazer? E agora? O José é gente como a gente, e precisa de amor e carinho como todos nós. Mas fica no ar a pergunta:

O QUE FAZER?

E AGORA JOSÉ?

E AGORA CIDADE?

E AGORA

PREFEITURA?

Onde está o Secretário de

Ação Social da Prefeitura de

Alfenas???

Como outros Secretários deve

estar dormindo em Berço

Esplêndido


Fonte: Reportagem do Jornalista Alair de Almeida

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