No Cearå, chikungunya matou mais do que dengue em uma década

Atualmente, todos os estados brasileiros registram transmissão da chikungunya, uma arbovirose, ou seja, uma doença causada por vírus...

Por Jornalista Alair de Almeida, Diretor e Editor do Jornal Região Sul em 11/04/2023 às 03:57:23

Atualmente, todos os estados brasileiros registram transmissão da chikungunya, uma arbovirose, ou seja, uma doença causada por vĂ­rus transmitidos por inseto, que causa principalmente dores intensas nas articulações, febre, erupção avermelhada da pele, entre outros sintomas. Não hĂĄ vacinas ou medicamentos para prevenir ou tratar a infecção, apenas remédios para alĂ­vio dos sintomas, que podem durar de cinco a 14 dias na fase aguda e até trĂȘs meses na fase crônica. Em alguns casos, pode levar à morte.

O CearĂĄ, no Nordeste do Brasil, é a unidade federativa com o maior nĂșmero de casos de chikungunya (77.418) registrados no paĂ­s. No estado, o nĂșmero de mortes pela doença nos Ășltimos dez anos foi superior ao da dengue, que é transmitida pelos mesmos mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus. Foi registrado 1,3 óbito por mil casos diagnosticados, enquanto a taxa de mortalidade da dengue é de 1,1 por mil.

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A conclusão é do maior e mais abrangente estudo epidemiológico sobre o tema, publicado na revista The Lancet Microbe no Ășltimo dia 6. A partir das anĂĄlises, os pesquisadores foram capazes ainda de determinar o padrão de disseminação da doença e os fatores de risco que podem servir de base para a elaboração de estratégias efetivas de controle, prevenção e tratamento.

Entre 3 de março de 2013 e 4 de junho de 2022, foram notificados 253.545 casos de chikungunya confirmados em laboratório em 3.316 (59,5%) dos 5.570 municĂ­pios, distribuĂ­dos principalmente em sete ondas epidĂȘmicas de 2016 a 2022 afetando todos os estados do Brasil. Cada região funcionou como um "pequeno bolsão" da doença e foi afetada de forma diferente em cada momento. O CearĂĄ foi o estado mais afetado, com 77.418 casos durante as trĂȘs maiores ondas epidĂȘmicas em 2016, 2017 e 2022.

O virologista brasileiro William Marciel de Souza, um dos autores do trabalho e pesquisador do Centro Mundial de ReferĂȘncia de VĂ­rus Emergentes e ArbovĂ­rus da University of Texas Medical Branch, nos Estados Unidos, explicou, em entrevista à AgĂȘncia Brasil, por que o estado foi o mais atingido.

"Com base na anĂĄlise epidemiológica, identificamos que as recorrĂȘncias de chikungunya no CearĂĄ, e ainda no Tocantins e Pernambuco, foram limitadas a municĂ­pios com poucos ou nenhum caso relatado nas ondas epidĂȘmicas anteriores, sugerindo que a heterogeneidade espacial da disseminação do vĂ­rus chikungunya e a imunidade da população explicam o padrão de recorrĂȘncia no paĂ­s. Portanto, acreditamos que as populações dos municĂ­pios mais afetados pelas ondas epidĂȘmicas de chikungunya apresentaram algum nĂ­vel de proteção imunológica contra a doença e/ou transmissão que impediu temporariamente a recorrĂȘncia de surtos explosivos de chikungunya."

Em contraste, ele completa, as populações de municĂ­pios menos expostos a ondas anteriores de chikungunya permaneceram mais suscetĂ­veis. "Desta forma, isso resulta na heterogeneidade geogrĂĄfica da dinâmica de chikungunya no Brasil. Curiosamente, as métricas de densidade populacional do principal mosquito vetor de vĂ­rus chikungunya no Brasil, Aedes aegypti, não foram correlacionados espacialmente com locais de recorrĂȘncia de chikungunya no CearĂĄ e Tocantins. Ou seja, para ter a transmissão precisa do mosquito, mas um maior nĂșmero de mosquitos não significa um maior nĂșmero de casos", destacou Souza.

Os pesquisadores sequenciaram os genomas de vĂ­rus chikungunya que causou a epidemia em 2022 no CearĂĄ. Eles identificaram que a recorrĂȘncia de chikungunya em 2022 no estado, após um intervalo de quatro anos, foi associada a uma nova introdução de uma linhagem leste-centro-sul-africana, "provavelmente originĂĄria de outros estados brasileiros após introdução em 2014", de acordo com o virologista.

O estudo também estima que nova linhagem de chikungunya foi introduzida no CearĂĄ entre meados de 2021 e o final daquele ano. "Acreditamos que esse padrão de recorrĂȘncia continuarĂĄ ocorrer caso não tenha nenhuma intervenção", alertou Souza.

Prevenção

O estudo mostra que as epidemias de chikungunya provavelmente continuarão a ocorrer se nenhuma intervenção for implementada, causando grandes ondas epidĂȘmicas com milhares de casos e mortes devido à heterogeneidade geogrĂĄfica associada à disseminação ou recorrĂȘncia do chikungunya. "Esses resultados serão Ășteis para informar o setor de saĂșde pĂșblica para antecipar e prevenir futuras ondas epidĂȘmicas de chikungunya no paĂ­s", frisou o virologista.

O mapeamento também apontou fatores de risco envolvidos nas infecções sintomĂĄticas, mais prevalentes em mulheres, e nas mortes, mais frequentes em crianças e idosos, que possuem sistemas imunes menos fortalecidos. "Estimamos a taxa de mortalidade por chikungunya de 1,3 morte por mil casos confirmados, o que é maior do que outros arbovĂ­rus endĂȘmicos em paĂ­ses tropicais, como dengue e infecções pelo vĂ­rus Zika. Essas informações podem fornecer informações para saĂșde pĂșblica no Brasil", observou Souza.

"A chikungunya afeta desproporcionalmente as mulheres, pois, provavelmente as pessoas se infectam mais em casas. Considerando que uma substancial parte das mulheres fica mais tempo em casa, pode aumentar o risco de exposição. Outro estudo anterior em Bangladesh no sudeste asiĂĄtico mostra padrão similar e os autores levantaram hipótese semelhante. Sobre maior morte em crianças e idosos, estĂĄ provavelmente associada à imunidade nesta população que geralmente pode ser menos efetiva que a população adulta jovem", considera o virologista.

Chikungunya x dengue

Quando o vĂ­rus causador da febre chikungunya foi introduzido no Brasil, hĂĄ quase uma década, especialistas em arboviroses acreditavam que ele repetiria a dinâmica que jĂĄ havia apresentado em outros paĂ­ses como a Índia, por exemplo: uma ou, no mĂĄximo, duas ondas curtas e explosivas, com exposição de grande parte da população, seguidas de um intervalo de anos. Porém, o que se observa são epidemias consecutivas e recorde de casos nas Américas: segundo o estudo, são mais de 1,2 milhão registrados.

Diferentemente da dengue, cujo vĂ­rus causador pode apresentar quatro genótipos distintos e, portanto, provocar quatro eventos de contaminação, o vĂ­rus CHIKV não deveria causar reinfecções. Para entender as causas do diferenciado padrão americano de disseminação, os pesquisadores estudaram dados de sequenciamento genômico, de distribuição de vetor e informações epidemiológicas de casos confirmados.

O estudo, que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de trĂȘs projetos, foi conduzido por 26 pesquisadores da University of Texas Medical Branch (EUA), do Laboratório de SaĂșde PĂșblica do CearĂĄ, do Ministério da SaĂșde, da Universidade de Campinas, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Rondônia e do Imperial College London (Reino Unido).

Fonte: AgĂȘncia Brasil e Da Redação

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