Ensino de história afro-brasileira deve estar em todas as disciplinas

A lei brasileira prevĂȘ que conteĂșdos referentes a história e cultura afro-brasileira devem ser ministrados em todas as etapas escolares, da educação infantil ao ensino medio, marcando presença em todas as disciplinas.

Por Jornalista Alair de Almeida, Diretor e Editor do Jornal Região Sul em 13/01/2024 às 21:56:20

A lei brasileira prevĂȘ que conteĂșdos referentes a história e cultura afro-brasileira devem ser ministrados em todas as etapas escolares, da educação infantil ao ensino médio, marcando presença em todas as disciplinas. Implementar a lei 10.639/03, no entanto, segue sendo um desafio para o paĂ­s, mesmo após 21 anos de aprovação.

Especialistas entrevistados pela AgĂȘncia Brasil trazem orientações sobre como levĂĄ-la para as salas de aula e mostram que a implementação vai além de conteĂșdos formais e passa, às vezes, apenas pela promoção de diĂĄlogo entre os próprios alunos e por abordagens por parte dos professores que considerem as diferentes realidades.

A professora e escritora Sheila Perina de Souza estuda no doutorado da faculdade de educação da Universidade de São Paulo (USP) uma etapa delicada do ensino, a alfabetização.

Ela pesquisa o ensino do portuguĂȘs influenciado por algumas lĂ­nguas africanas. Além de contribuĂ­rem com o vocabulĂĄrio, como por exemplo, com a palavra moleque, que vem do quimbundo, uma lĂ­ngua falada em Angola, elas tĂȘm outro tipo de influĂȘncia:

"Quando usam o plural, muitas vezes as crianças, principalmente de classe popular, marcam o plural uma Ășnica vez, então dizem: 'Pega os livro'. Elas não marcam o plural 'Pega os livros'.

Isso é influĂȘncia das lĂ­nguas de origem banto, que trazem a marcação do plural no inĂ­cio e não no plural", explica.

A forma com que a escola lida com situações como esta faz toda a diferença na formação das crianças. Se tratam apenas com um erro, criticando a criança, ou se tĂȘm uma postura acolhedora.

"Tento observar de que modo o racismo linguĂ­stico, que muitas vezes é confundido com o preconceito linguĂ­stico, é tratado na alfabetização, nesse perĂ­odo da escolarização que é de fundamental importância para a relação que a criança vai estabelecer com o conhecimento", explica Souza.

São questões como esta que as escolas precisam lidar diariamente e sobre as quais a 10.639/03 e as diretrizes para aplicĂĄ-la tratam.

Cada etapa de ensino tem peculiaridades que precisar ser levadas em consideração e também questões para as quais as escolas devem estar atentas.

Educação infantil

Na educação infantil, etapa que compreende a creche e a pré-escola, segundo Souza, a literatura tem sido uma porta fundamental para a implementação da lei 10.639/03. Para além dos livros, é possĂ­vel trabalhar as artes, a mĂșsica e também as danças.

"A linguagem musical é fundamental, quando a gente olha para o que nós oferecemos para nossas crianças no cotidiano, quais as mĂșsicas que nós apresentamos. Nós apresentamos mĂșsicas de diferentes povos, conseguimos trazer mĂșsicas de diferentes etnias e aprofundar".

De acordo com a professora, ao apresentar uma mĂșsica, pode-se não apenas dizer que é de África, mas explicar que é de determinado paĂ­s, de determinada região.

"A nossa origem é marcada por relações de poder que são construĂ­das por meio da raça também. Então, é a gente olhar para mĂșsicas que tradicionalmente são mĂșsicas da cultura da infância e questionar se essas mĂșsicas dialogam com o currĂ­culo, com o que queremos construir, porque temos um repertorio de mĂșsica que crianças tĂȘm aprendido que possuem um teor racista", ressalta a professora.

A coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, Edneia Gonçalves, acrescenta que para além de proporcionar materiais e brincadeiras, é preciso que os professores estejam atentos às interações entre as crianças.

"Trazer o cuidado para ver como as crianças se aproximam. Na hora da roda [se alguém diz algo como]: 'não vou pegar na mão dela porque é preta'. Isso é super comum. Que tipo de mensagem estĂĄ trazendo, que tipo de educação estĂĄ trazendo.

Quando não se traz a história dos ancestrais dessa criança e não ressignifica a presença negra na história brasileira, se faz a mesma coisa, rejeita não só o corpo como a linguagem ancestral da criança", diz.

Nesta etapa é preciso também, de acordo com Edneia Gonçalves, estar atento às referĂȘncias que são apresentadas às crianças, aos personagens que são apresentados, garantir que também se assemelhem às próprias crianças e às famĂ­lias.

Verificar também como os personagens negros aparecem nas histórias infantis e que tipos de heróis são apresentados.

Ensino fundamental

O ensino fundamental compreende do 1Âș ao 9Âș ano, perĂ­odo em que as crianças aprendem a ler e também perĂ­odo em que passam a ter mais um professor e começam a fazer uma transição para o ensino médio, deixam infância e entram na adolescĂȘncia.

Também nesta etapa, segundo Edneia Gonçalves, é preciso olhar para os textos que são apresentados e, caso eles possuam conteĂșdos racistas, isso deve ser apontado, contextualizado e discutido.

A aplicação da lei vai além das ĂĄreas de humanidades, devendo ser considerada nas exatas e nas ciĂȘncias.

"A África tem um conjunto de jogos para trabalhar a matemĂĄtica. Primeiro, exige uma pesquisa mais ampla, porque nossa educação é eurocĂȘntrica. Vamos buscar personagens, referĂȘncias e matrizes africanas para trazer, vamos pensar a África antes da colonização.

Isso no ensino fundamental é essencial. Ensinar a África anterior à colonização e pensar após o perĂ­odo de colonização. Isso exige pesquisa, mapas, novos textos e novas fontes", explica.

No campo da linguagem, Gonçalves diz que se pode considerar os sistemas de comunicação e linguagem que são anteriores ao sistema ortogrĂĄfico que usamos.

"Sempre no sentido de ampliar o conhecimento. [O conteĂșdo] tem que atravessar [vĂĄrias disciplinas] e quando atravessa, exige que professoras e professores também se preparem e que as redes façam formação dos educadores", diz.

Ensino médio

O ensino médio é a Ășltima etapa da educação bĂĄsica. É também a etapa com as maiores taxas de evasão.

"O ensino médio tem o enorme desafio que é o desafio da juventude negra, as suas culturas, como é que a gente estĂĄ trabalhando a cultura negra juvenil".

A coordenadora explica que é muito importante que os professores também escutem os estudantes, ensinamento que vem do educador e filósofo Paulo Freire e da educação popular.

"Os alunos sabem. O nosso trabalho é fazer emergir o conhecimento que esse estudante tem para que esse conhecimento se articule com o nosso conhecimento para produzir transformações tanto na aprendizagem do estudante, quanto do professor. Saber o que esse estudante sabe faz com que a gente tenha acesso aos territórios que esse estudante percorre e isso vai ter aplicações para todas as ĂĄreas de conhecimento", diz Edneia Gonçalves.

Ela acrescenta: "uma batalha de slam [batalha de poesia falada], por exemplo, vocĂȘ ouve e pensa onde esse jovem adquiriu todo esse repertório se escola não estĂĄ ensinando isso? Quer dizer que existe um ambiente de circulação de cultura e conhecimento que a escola tem que acessar também".

Nesta etapa, a coordenadora ressalta que também é importante que seja feita uma educação antirracista, que redesenhe a narrativa da história brasileira, trazendo a perspectiva da resistĂȘncia da população negra.

Nesse sentido é importante conhecer e levar para as salas de aula as histórias traçadas pelos movimentos sociais.

"Sempre, em qualquer uma das etapas escolares, vocĂȘ parte do princĂ­pio de que é função social da escola articular o conhecimento sistematizado pela ciĂȘncia com o conhecimento das diferentes culturas para que a gente produza aprendizagem significativa para todas as pessoas", sintetiza Gonçalves.

Fonte: AgĂȘncia Brasil e da Redação

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