101 anos de Clarice Lispector: obra reeditada e mostra exaltam seu lado pintora

Por Jornalista Alair de Almeida, Editor e Diretor do Jornal Região Sul em 27/12/2021 às 09:39:35
Professora Doutora Cida Nunes da UNIFAL

Professora Doutora Cida Nunes da UNIFAL

A escritora Clarice Lispector, nascida em 10 de dezembro de 1920 (Foto: Reprodução)
A escritora Clarice Lispector, nascida em 10 de dezembro de 1920 (Foto: Reprodução)

Nascida em 10 de dezembro de 1920 em Tchetchelnik, aldeia da Ucrânia, como Haia, ganhou o nome Clarice com a chegada dos pais a Maceió, em 1922. Ao longo da vida, dizia não se considerar escritora profissional, mas é considerada um dos nomes mais importantes da cultura no século 20.

O primeiro conto veio aos 19 anos, quando trabalhava em escritórios e traduzia textos para revistas científicas. Em 1940, tornou-se a primeira repórter da Agência Nacional, pouco antes de se tornar redatora do jornal A Noite. Casada com um colega de faculdade, Maury Gurgel Valente, acompanhou-o por diversos países do mundo durante 15 anos, sempre produzindo enquanto acompanhava sua carreira diplomática. Mãe de dois filhos, morreu no Rio de Janeiro um dia antes de completar 57 anos, em 1977, por complicações de um câncer de ovário detectado tardiamente.

Tela de Clarice Lispector, sem título e sem data. Óleo sobre madeira (Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles/Divulgação)

Tela de Clarice Lispector, sem título e sem data. Óleo sobre madeira (Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles/Divulgação)

Em exposição gratuita em cartaz no Instituto Moreira Sales, em São Paulo, a exposição Constelação Clarice, com curadoria de Eucanaã Ferraz e Verônica Stigger, reconstrói em trajetória labirítica essas muitas faces de Clarice e a profunda interconexão de sua obra com mais de 25 mulheres artistas plásticas.

Gratuita e aberta ao público até o dia 27 de fevereiro, Constelação Clarice promove uma investigação poética sobre a autora e reúne manuscritos, fotografias, cartas, discos, reportagens na imprensa e documentos pessoais. Na mostra, destacam-se uma produção pouco conhecida de Clarice Lispector, as pinturas que fazia e que dialogavam de forma puljante com sua obra.

Tentativa de ser alegre, tela pintada por Clarice Lispector em 15 de maio de 1975 (Foto: Acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa/Divulgação)
Tentativa de ser alegre, tela pintada por Clarice Lispector em 15 de maio de 1975 (Foto: Acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa/Divulgação)

Tentativa de ser alegre, tela pintada por Clarice Lispector em 15 de maio de 1975 (Foto: Acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa/Divulgação)

Reeditada pela Rocco, a obra de Clarice chega renovada às livrarias com esses 22 quadros produzidos por ela ao longo da vida recortadas para as capas de cada livro, em projeto assinado pelo designer Victor Burton. Além dos lançamentos individuais, as 18 novas edições de sua obra completa estão também em um belo box em edição limitada (R$ 699).

Aparecida Maria Nunes


(Professora Cida Nunes da


UNIFAL), é citada pela


reportagem como uma


pesquisadora de Clarice


Lispector.


Para além das capas, os livros ganham posfácios inéditos escritos por seu filho, Paulo Gurgel Valente, e por especialistas em sua obra, como Nádia Battella Gotlib, Clarisse Fukelman, Benjamin Moser, Aparecida Maria Nunes, Ricardo Iannace, Marina Colasanti, Teresa Montero e Arnaldo Franco Junior.

Como parte das comemorações dos 101 anos de seu nascimento, o Instituto Moreira Sales divulga ainda o curta-metragem Fragmentos de Estrelas, produzido pela Coordenadoria de Literatura do IMS, com a escritora Ana Maria Machado.

No filme Fragmentos de estrelas, Ana Maria Machado narra a emocionante história – guardada por mais de 40 anos – do encontro que teve com Clarice Lispector, em 1975, quando ainda era uma jovem editora da Rádio Jornal do Brasil e Clarice já uma prestigiada escritora.

Ainda na esteira das comemorações, a atriz Mariana Lima faz uma leitura dramática de trechos do livro infantojuvenil A Mulher que Matou os Peixes; em outro, a narradora de histórias Adélia Oliveira lê um trecho de Felicidade Clandestina.


Organizado por Matildes Demetrio dos Santos e Mônica Gomes da Silva, Clarice Lispector: uma Vida na Literatura (ed. Oficina Raquel, 398 págs., R$ 79) surgiu a partir de um curso de pós-graduação na Universidade Federal Fluminense (UFF) explora a diversidade de temas e na surpresa de ter um arranjo musical e poemas dedicados ao fazer poético da escritora.

A Hora da Estrela

de Clarice Lispector

Daniela Diana
Daniela Diana
Professora licenciada em Letras

É classificada como um romance intimista, também conhecido como romance psicológico, estilo em que a autora se destaca. Afinal, a obra de Clarice é marcada por suas emoções e sentimentos pessoais.

Capa do livro e cartaz do filme A hora da estrela
Capa do livro (à esquerda) e cartaz do filme (à direita) de A Hora da Estrela


Resumo do livro A Hora da Estrela

A história é narrada por Rodrigo S.M. (narrador-personagem), um escritor à espera da morte. Ele é uma das peças-chave do livro. Ao longo da obra ele reflete os seus sentimentos e os de Macabéa, a protagonista da obra.

Nordestina órfã de pai e mãe, e criada por uma tia que a maltratava muito, Macabéa é uma alagoana pobre de 19 anos que possui um corpo franzino e só come cachorro quente. Além disso, ela é feia, virgem, tímida, solitária, ignorante, alienada e de poucas palavras.

Quando vai morar no Rio de Janeiro, consegue um emprego de datilógrafa na cidade. Chega a ser despedida pelo patrão, seu Raimundo, que por fim, tem compaixão de Macabéa, deixando-a permanecer com o trabalho.

No Rio de Janeiro, Macabéa mora numa pensão e divide o quarto com três moças. Todas elas são balconistas das Lojas Americanas e chamadas de "as três Marias": Maria da Penha, Maria da Graça e Maria José.

Um de seus maiores prazeres nas horas vagas é ouvir seu rádio relógio, emprestado de uma das Marias.

Mesmo destituída de beleza, Macabéa (ou Maca, seu apelido) consegue encontrar um namorado, o nordestino ambicioso e metalúrgico Olímpico de Jesus Moreira Chaves. O namoro termina quando Glória, ao contrário de Macabéa, bonita e esperta, rouba seu namorado.

Quando vai à Cartomante, uma impostora chamada Madame Carlota, Macabéa descobre por meia das cartas sua "sorte". No entanto, ao sair de lá, atravessa a rua muito contente pelas palavras que acabara de ouvir, sendo atropelada por um Mercedes Benz amarelo.

É ali que ocorre sua "hora da estrela", o momento em que todos a enxergam e ela se sente uma estrela de cinema. A obra possui uma grande ironia em seu término, visto que só no momento da morte é que Macabéa obtém a grandeza do ser.

Análise do livro A Hora da Estrela

Em A Hora da Estrela Clarice projeta suas angústias e medos pouco antes de falecer. Isso claro, sem deixar marcada uma de suas singularidades como escritora: o aprofundamento psicológico das personagens.

"E agora — agora só me resta acender um cigarro e ir para casa.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre.
Mas — mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim."

Na "Dedicatória do autor" Clarice afirma:

"Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta resposta. Resposta esta que alguém no mundo ma dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos."

Após a Dedicatória, Clarice enumera os vários possíveis títulos que a escritora pensou para sua obra:

Possíveis títulos para A hora da estrela

Trechos do livro A Hora da Estrela

Para compreender melhor a linguagem utilizada no livro, seguem abaixo alguns trechos da obra:

"Talvez a nordestina já tivesse chegado à conclusão de que a vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo, mesmo alma rala como a sua. Imaginavazinha, toda supersticiosa, que se por acaso viesse alguma vez a sentir um gosto bem bom de viver – se desencantaria de súbito de princesa que era e se transformaria em bicho rasteiro. Porque, por pior que fosse sua situação, não queria ser privada de si, ela queria ser ela mesma. Achava que cairia em grave castigo e até risco de morrer se tivesse gosto. Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos, gastando pouco de sua vida para esta não acabar. Essa economia lhe dava alguma segurança pois, quem cai, do chão não passa. Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: Quem sou eu? Assustou-se tanto que parou completamente de pensar."

Isso, moço, é indecência, disse ela para a rádio."

"Aí Macabéa disse uma frase que nenhum dos transeuntes entendeu. Disse bem pronunciado e claro:

— Quanto ao futuro.

Terá tido ela saudade do futuro? Ouço a música antiga de palavras e palavras, sim, é assim. Nesta hora exata Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.

O que é que estou vendo agora e que me assusta? Vejo que ela vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando no âmago: vitória!

E então — então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida."

Filme A Hora da Estrela

Cena do filme A hora da estrela
Cena do filme A hora da estrela

Dirigido por Suzana Amaral, a obra de Clarice foi transformada em longa metragem no ano de 1985.

O drama "A Hora da Estrela" ganhou diversos prêmios: Festival de Berlim (1986), Festival de Brasília (1985) e Festival de Havana (1986).

Fonte: Fonte: Revista Marie Claire

Comunicar erro
Fepi

Comentários

novato